Dispense preconceitos, o novo cd de Otto vai bem aos ouvidos.


Com inspiração no texto “A Metamorfose”, de Franz Kafka, o ex-mangueboy lança um álbum intenso e de qualidade.

Por Andreane Carvalho

Após seis anos de espera, eis que os fãs de Otto podem, finalmente, desfrutar de uma nova produção autoral. “Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” é o nome do recém-lançado 7º álbum do artista, que também traz a essência do batuque futurista e brota dos mangues recifenses, como os anteriores. O CD foi co-produzido por Pupilo (batera da Nação Zumbi), contém dez faixas e está recheado de participações especiais, tais como Catatau (líder da banda Cidadão Instigado), Céu, na faixa “O Leite”, Julieta Venegas, nas faixas “Lágrimas Negras” e “Saudade”, além de Dengue (baixista da Nação Zumbi) e Lirinha (líder da banda Cordel do Fogo Encantado).

O último disco, “Sem Gravidade” (2003), deixando de lado a gravação do MTV Apresenta (2005), não chega nem aos pés do atual trabalho. Aos que acham que Otto tem uma péssima dicção e não canta nada, sugiro que comecem a abrir uma exceção. O ex-mangueboy, pela primeira vez, consegue abortar um material de qualidade, com música de letras poéticas e que, principalmente, fazem sentido, alinhadas a bons arranjos de cordas.

“Certa manhã acordei de sonhos intranquilos” fala de amor, não aquele obsessivo, mas algo mais humano e fraterno. A fraternidade, por exemplo, aparece na música brega “Naquela mesa”, regravação de Sérgio Bittencourt. Com a base constituída por um som cafona de teclado, a letra narra as lembranças do filho sobre um pai ausente. No estilo de cantar, Otto traz à memória artistas como Benito di Paula, Luiz Ayrão e Agepê. Um brega de luxo, como os de antigamente.

Os batuques de origem manguebeat aparecem em “Janaína”, uma letra em devoção a Iemanjá. A faixa “Meu mundo”, com participação de Lirinha, também possui batidas eletrônicas típicas da ex-banda Chico Science e Nação Zumbi.

Depois de "Lágrimas Negras", a composição musical começa a complicar. É o caso da música "Agora sim", onde ouvimos "Agora sim o saci, agora são dois irmão, agora posso correr, agora preste atenção". Será uma ode ao saci pererê? Bom, fica a questão. Já a desafinada acontece em “Filha”, quando o cantor parece não ter encontrado a nota adequada para a sua voz.

Considerando que o álbum foi gravado em um esquema de independência, sem a mão de uma gravadora e em conjunto com o Garage Band - programa que emula recursos de gravação e mixagem de um estúdio - Otto consegue realizar um trabalho autoral de qualidade e intenso. Na capa, o cantor parece fazer uma relação do mangue com os possíveis sonhos intranquilos. O título é uma transcrição da frase que abre o texto “A Metamorfose”, do escritor de ficção Franz Kafka (1883-1924): “Quando certa manhã Gregor acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso”. Resta saber em que momento e qual foi a experiência que Otto passou para se identificar com esse verso tão profundo.

A vulgaridade da solteirice

Falta glamour e identidade nas composições da Mulher Melancia

Por Danielle de Moraes


Esperava um texto sobre a nova banda de reggae do momento ou alguma referência musical um pouco mais cult? Gostaria de ler sobre algum artista que anda preservando a nossa pernambucanidade e inserindo ritmos locais em suas composições? Pois é, para a sua surpresa, não é nada disso a minha fonte de inspiração desta semana.
Tédio. Essa é a palavra que melhor define os nossos domingos. Ainda não sei se sentimos isso porque é um dia demasiadamente tranquilo ou se o tornaram melancólico porque é o que antecede o pior dia da semana: a segunda-feira. É na segunda que retornamos à rotina, voltamos a olhar insistentemente para o relógio e cronometrar os nossos passos, nos submetemos às ordens dos chefes e às vezes não temos condições de dar a atenção que gostaríamos nem mesmo à quem divide o mesmo teto com a gente. A programação da televisão também acompanha o infeliz domingo. Chega a ser uma tortura ter que decidir entre assistir ao Gugu, Eliana ou Faustão. E foi num dia desses de domingo que descobri que a saga das mulheres fruta estava indo além da dança.
Mulher Melancia, Jaca, Melão, Moranguinho. Elas tornara-se celebridades pela desenvoltura na hora de dançar o pancadão carioca. Os bailes funk não seriam os mesmos sem as performances das mulheres fruta. Sem as bundas e peitos delas, provavelmente o pancadão não atraísse tantos marmanjos. Não foi surpresa quando descobri que Andressa Soares, a Mulher Melancia, havia faturado alguns reais após aceitar ao convite para posar nua na Playboy. Ela – ou a sua bunda – ficou conhecida por dançar o Créu até a velocidade 5. O motivo da minha surpresa foi o fato da Melancia não se contentar em ser apenas mais uma dançarina gostosinha. Ela lançou-se como muito mais do que isso: a cantora gostosinha. Não satisfeita com a agilidade da velocidade 5 do Créu, apresentou o hit Velocidade 6. Mas a composição que mais chamou a minha atenção foi a música “Solteira sim, sozinha nunca”. O ápice da independência da mulher, para Melancia, é chegar ao baile, beijar quem quiser e rebolar, mas rebolar muito, até não poder mais. Como ela diz na letra, “é melhor tu ser solteira do que uma chifruda”.
Sabemos que após tantas decepções algumas mulheres optam por passar um tempo sozinhas, sem namorado. Cansam só em pensar em ter que dar satisfação novamente à alguém, não querem se acostumar e desacostumar com a presença de outro homem em suas vidas, não têm paciência para dividir suas intimidades, planos e sonhos com mais um cara que não sabe o que quer. Esse momento de redescoberta pelo qual as mulheres – e os homens – passam após o fim de um relacionamento é saudável. É natural querer um tempo para estar novamente bem consigo. Posteriormente, quem sabe, deixe se envolver por uma outra figura.
Farras durante a madrugada, cervejas e drinks com outros amigos, saídas mais constantes e um pouco menos de controle nessas ocasiões são normais e necessárias. Imagine o tempo que um casal passa cultivando – ou não – a fidelidade. Quantas vezes deixa de ir para a festa louca daquela amiga solteira que conhece vários caras e que o seu namorado não vai muito com a cara? Quanto tempo deixou de visitar o seu amigo que tanto te faz bem porque os poucos momentos que tinha livre reservava para sustentar o seu relacionamento? Renúncias. Elas precisam existir quando se gosta de verdade. Mas quando as diferenças, indiferenças ou incompreensão tornam-se mais fortes do que o amor que antes havia – ou deveria haver -, é hora de resgatar essas coisas que você acaba deixando para lá – às vezes até inconscientemente.
O problema de “Solteira sim, sozinha nunca” não está no fato da Mulher Melancia cantar este momento, maravilhoso, por sinal. A forma de cantar isso é que entristece quem analisa o melodia com um pouco mais de profundidade. A forma de brindar a solteirice é rebolando a bunda e dando um chute da bunda dos homens que querem alguma coisa mais séria?
Temos realmente que escolher com quem queremos nos envolver, mas será que temos que mudar quando enjoar de alguém? Enjoar de quê? Dos braços musculosos, barriga tanquinho ou pernas torneadas? Acho que a infelicidade da Mulher Melancia está aí. Andou se envolvendo muito superficialmente, da forma mais fútil que possa existir. E se ser solteira é uma meta, Melancia, desse jeito, com todos esses valores que anda pregando, você vai sempre alcançá-la. Vai beijar milhões, rebolar até não aguentar mais. Agora, se vai conseguir amar, já não tenho certeza.
A voz da Mulher Melancia também não é muito agradável. É, digamos, até um pouco irritante. Ela também não carrega o glamour que deveria acompanhar uma poderosa funkeira. Umas aulinhas com a Gaiola das Popozudas até que cairiam bem. As turbinadas da banda estão acostumadas em elevar a auto-estima das funkeiras com as músicas “Fiel é o caralho”, “Otário pra bancar” e “Late que eu tou passando”. Inclusive, também não as recomendo para as mais românticas, mas ajudam a animar uma festinha.
O som do batidão que está por trás da letra medíocre de “Solteira sim, sozinha nunca” ainda ajuda a situá-la no universo dos funkeiros, já que preserva a sonoridade do estilo musical. Era preciso de algo, além das saias curtíssimas e do corpo malhado da popozuda, para situar as pessoas e convencê-las de que a Garota Melancia havia transformado-se na promessa do funk.



Andressa Soares, a Mulher Melancia, ficou conhecida no universo funk com as performances do Créu

Britney Spears – Circus Tour 2009



Música ao vivo pra quê?

Por Otacilio Gaudencio

Chego no local do show: EnergySolutions Arena, o maior estádio do estado(Utah). Eu morava naquela área da cidade (Salt Lake City), a apenas dois quarteirões dali e NUNCA tinha visto aquele lugar daquele jeito. Muita gente, muitos carros, trânsito congestionado. Vale enfatizar que o número de limusines no local era proporcional ao de Celtas na cidade do Recife. Grupos de amigos, com garrafas de champanhe saiam delas babados e gritando.

Após uma breve revista, entro no estádio. Lotado. Eu estava do lado oposto da entrada pro meu camarote. No caminho, que é rodeado de lojas de fastfood, vários quiosques de venda de pipoca, algodão doce e suvenires, todos estampados com o nome da cantora e com o emblema da turnê, que é o mesmo do último Cd dela, o Circus. Misturados a eles, raros quiosques de cervejas draft (leia-se Chope, única bebida alcoólica permitida em estádios americanos), que eram os recordistas em fila.

Mas o que mais chamava atenção eram as pessoas. Pessoas de todas as idades, de crianças de colo a idosos, de todas as cores, gêneros, classes sociais e tudo que possa ser classificável. Muitas garotas e muitas delas - até alguns rapazes também - vestidos de alguma maneira a aludir Britney Spears. Só no meu caminho eu vi todas as variações de Britney Spears no clipe de Toxic, Baby One More Time, Womanizer e várias outras que não consegui identificar de onde vinham. Sem contar os homens, que em grupos vestiam camisas com o nome Womanizer (que significa mulherengo, ou pegador, já que o termo é meio que invariável) ou alguma frase fazendo alusão a alguma música da cantora.

Ao entrar no meu camarote, me deparo com um palco em formato de arena, circundado pelo público, como o picadeiro de um circo. E era essa a intenção. Um telão gigantesco circundava o “teto” do palco como uma aréola. Nele o emblema de uma grande rede de telefonia celular americana, que por sinal estampava toda e qualquer coisa que se relacionasse ao show.

Próximo a começar o show, um grupo de palhaços começou a montar a estrutura do palco, que se tornava uma espécie de picadeiro, maior do que antes com duas “abas” nas laterais. Terminada a apresentação, começaram os números circenses. Todos os tradicionais de circo, como engolir fogo, malabarismo, com ênfase especial a um com uma espécie de cubo giratório que nunca tinha visto. Todos acontecendo em lados opostos aos de onde o palco esta sendo montado. Ótima maneira de distrair o público para meia hora de preparação de palco.

Nesse momento, percebo que não estou apenas a uma distancia privilegiada do palco, estou no melhor lado dele. Um grupo de aproximadamente 30 pessoas começa a se posicionar entre o palco e os sofás dos VIPS. Ao meio de uma parafernália absurda. Eles iriam roubar minha atenção em porcentagem significativa show...

Terminada a montagem, eis que as luzes se apagam e o telão surge novamente em nossas frentes, dessa vez, escondendo todo o palco. Nele, está um homem afeminado, vestido com uma roupa feminina do século retrasado, com uma musica de circo, cercado por coisas estranhas no picadeiro de um circo. Ninguém menos que o comediante Perez Hilton. Uma imagem no mínimo bizarra. Algo que parecia mais um demônio que propriamente um rei (ou rainha). Após quase cinco minutos de falação e bizarrices, ele pergunta se estávamos prontos para a “orgia”. O som era muito alto, mas eu não tenho dúvida de que muitas criancinhas estariam chorando naquele momento e muitos pais de cabelo em pé. Uma seqüência de vídeos e flashes rápidos da cantora correram no telão. O telão se apaga e a gritaria do púbico aumenta. O fundo de uma música começa. A sensação é de dar arrepios, não pelas bizarrices, e sim pela magnetude do evento.

Ao subir, o telão revela o grupo de dançarinos, fazendo tudo que um circo pede. A iluminação somada ao telão e ao som estridente da música circus. O público inevitavelmente entra em transe. Uma mulher extremamente branca e loira surge causando um estrondo de gritos no estádio, vestida com uma roupa que me lembrou Xuxa nos primórdio dos anos 90. Descendo da parte de cima do estádio. Coincidência? Ou será que elas fizeram um pacto com a mesma pessoa?

Talvez seja por vê-la ao vivo, ou talvez seja o conjunto da produção do show que dão o estase da coisa. A verdade é que tudo ali convergia para o “embasbacamento” de qualquer desavisado. Luzes, imagens, sons, pessoas em movimento, tudo o que pode ser explorado pelo entretenimento estava sendo usado.

E o show começou, depois da introdutória circus, nada melhor do que piece of me para ser a segunda. Afinal, era um pouco disso que todos ali estava tendo (ou ao menos queriam ter). No fundo as duas são grandes críticas: “Isto é um circo e vocês querem um pedaço de mim.”. O que seria bem desenvolvido até o último momento do show.

Saído do alvoroço de abertura, o show seguiu entrando em seu ritmo, sem grandes estupores. Logo veio, Radar e a irritante Gimme more – que na versão tocada ficou menos irritante. O telão sempre fazendo o seu incessante papel de complementar o que talvez faltasse na configuração confusa do palco. E cada musica tinha sua imagem, Gimme more foi escrita japonesa, Radar fotos de pessoas de circo do início do século passado(?!). Uma homenagem, talvez.

Em seguida veio ooh ooh baby e hot as ice, com um número de ilusionismo bem interessante na transição entra as duas. E foi se seguindo ameno o show. Sem grandes estardalhaços, mas mesmo assim empolgante. O público já estava se familiarizando com a cantora.

If U Seek Amy, que naquela semana estava no topo das paradas, não teve uma performance tão empolgante quanto merecia. Em seguida, me against the music conseguiu ficar divertida em uma roupagem à Índia, e lá iam as mãozinhas indianas no telão. E, finalmente, uma música lenta, a depressiva everytime. Nesse momento, a cantora pela primeira vez fez o seu contato com o público.

Uma voz extremamente fina, aparentemente de uma garota de 12 anos, que em poucos pontos se parece com o da cantora cumprimentou a cidade e o público, com o velho clichê que funciona: “I’m so happy to be here tonight”. Boa parte do público se entreolhou desconfiado, mais pela voz do que pela frase. E também foi nesse momento que pela primeira vez, a música parecia, em alguns momentos não ser um playback. Apenas parecia.

E eis que ela some mais uma vez, e o telão desce. O que eu não tinha percebido, ainda, era que a parte “boa moça” do show tinha acabado. O vídeo do que parecia um pré-orgia começou a ser rodado e com a voz de Marlyn Manson cantando sua versão de Sweet dreams, e no final, surge a voz de Britney distorcida (que novidade!) de maneira bem bizarra. Bem, legal. Sinal de que o show acabou para as criancinhas.

Nesse momento tive a minha atenção desviada, novamente, para o grupo de pessoas próximas ao palco. Por mais que eles tocassem, eu não acreditava. Bateristas, guitarristas, baixistas, backingvocals, e vários outros que eu não compreendi a função. Se Britney Spears nítida e obviamente não cantava ao vivo, qual seria o motivo para eles TOCAREM, ao vivo? Fingir? Talvez. Mas eles realmente tocavam, principalmente a bateria, base da musica pop. Na distância em que eu estava ficava claro que o que movimentava lá, saia no som perfeitamente. Fiquei boquiaberto com o sincronismo deles com a música. Não seria mais fácil colocar um cd?

E eis que freakshow abre a segunda metade do show. E Britney surge, dando chicotadas em seus bailarinos, o que parece uma festinha sado-masoquista seguida por get naked. Na mesma linha sensual. E em meio a reboladinhas e gemidos, acontece a melhor parte de todo o show...

Em breathe on me, dois os bailarinos chegam discretamente de cima com uma coreografia e roupas (sado) bem suspeitas. Em touch of my hands eles formam um arco em uma posição que não sei descrever, onde a cantora senta em cima deles. Bem na linha “é-pra-isso-que-os-homens-servem”, deixando o público em estase. Mas o melhor estaria por vir, ao descerem desunidos de onde vieram, um dos dançarinos pendurados, literalmente acocha a cantora e a leva para o alto, até sumirem, isso tudo no ritmo da música. O público entrou em pavorosa. Naquele momento eu pensei que realmente é muito querer que ela cante de verdade fazendo tudo o que faz no palco.

E no resto do show, não houve nada de mais. Do somethin’ seguiu a mesma linha do clipe. I’m a slave 4 u também. Logo em seguida veio a apresentação dos dançarinos, que deram um show aparte, sem a presença de Britney no palco. Logo veio toxic, sem muita graça, e sem nada a ver com o clipe e a já clássica baby one more time. O que me desapontou foi break the Ice, curta de mais.

O telão fecha o palco mais um vez, e uma imagem branca pisca. Um barulho de sirene toma conta do local revelando a batida de womanizer e o público de súbito se aproxima do palco. Eles entenderam o que eu ainda não tinha: aquela era a última música do show. E várias câmeras de segurança começam a fazer piruetas em um efeito bem interessante, como se dissessem “estamos vendo tudo”. E eis que Britney surge vestida de policial (!) para a última performance. Nos segundos finais, todo staff de dançarinos se concentra no meio do palco e uma chuva densa de faíscas e papel picado caem do “céu”. Muito legal de se ver, e empolgante. Simpática, ela agradece e se despede do público. E como um funcionário que nota que já deu a hora de fazer o “clockout”, Britney sai do palco.

Foi isso! Todos tiveram o “pedaço” de Britney e ela não tinha mais nada o que fazer ali. O show foi perfeito, pontual, simétrico, e divertido. E é por isso que ele é bom. Ele é o que um produto daquele tem que ser: perfeito. E é isso que o faz tão artificial. Assim como a cantora.

Musicalmente, ele agregou o melhor que já produzido no nome de Britney Spears, leia-se do quarto disco In the zone passando pelo excepcional blackout, chegando ao que interessa do maduro Circus, e claro, as clássicas. Assim como o melhor em profissionais de iluminação, vídeo, dança e música. E mesmo com temas mais sensuais/sexuais, o show conseguiu não cair em vulgaridade.

Você sai do show com a sensação de que consumiu o produto máximo do melhor que a indústria do entretenimento pode oferece. Sem defeitos e ao vivo. E sente, que mais do que um produto, Britney Spears nada mais é do que uma personagem.

O show só mostra que Britney nada mais é do que o reflexo de toda uma geração, de todas aquelas meninas que estavam ali, de todos e que interpreta o sexo de uma maneira aberta. Ela é a cultura da juventude americana personificada. E não ela, mas sim essa cultura que é o que dominou o mundo. Hoje é Britney, amanha será outra.

Se eu tivesse assistido ao show no Brasil, ou em qualquer outro lugar fora do EUA, sem duvida a experiência não seria tão completa. Por isso, pra que se preocupar com musica ao vivo, playback, quando o que se tem ali é um produto que oferece muito mais do que uma moça cantando. Isso talvez seja o de menos.

Moda Passageira?

Com quase três décadas de carreira, o Depeche Mode não comprova a tradução literal do nome


Por Leandro Gantois



"Sounds Of The Universe": Depeche Mode renovado



Alguns pesquisadores dizem que a história é linear, já ditados populares costumam afirmar que a história sempre se repete. E por alguma razão não muito clara, a década de 80 resolveu retornar em pleno século XXI. Ou seja, se na década de 90, ninguém agüentava mais escutar sintetizadores, nos anos 2000, o instrumento virou vintage. E o que não faltam são bandas que com muito orgulho dizem sofrer influências de Joy Division, New Order, The Smiths, Pet Shop Boys e até do A-Ha (?). Até cantoras pop como Lady GaGa parecem copiar a cafonice estética de Madonna e Cindy Lauper. Mas se reviver a tão exagerada era perdida pode parecer cool para artistas atuais, o mesmo não se pode falar de bandas da época. E a inglesa Depeche Mode, formada em 1981, parece querer ir contra a maré e se afirmar como mais do que uma banda oitentista.

Assim, para sobreviver ao less is more da década de 90, o Depeche Mode teve que se reinventar, mas sem perder a identidade. E depois do clássico álbum “Violator” (1990), a banda passou a ter mais dificuldades para emplacar sucessos na parada, além de ter que lutar contra os clichês do mundo musical: brigas, separações e drogas. E para os críticos que pensavam que seria o fim do grupo, o Depeche Mode foi além e trouxe a partir de “Exciter” (2001) uma nova sonoridade até chegar à plena maturidade artística com um dos melhores trabalhos já feitos pelo Depeche, no álbum “Sounds Of The Universe”, uma obra que desconstrói o passado da banda, mas sem esquecê-lo.

A primeira impressão de “Sounds Of The Universe” é de puro estranhamento: é fácil perceber a voz melódica do vocalista Martin L Gore, mas as músicas possuem sintetizadores e guitarras distorcidos. Ou seja, é necessário digerir o álbum para poder apreciá-lo, o que já é uma grande quebra na tradição de hits grudentos (e geniais) como “Enjoy The Silence” e “Strangelove”. Até mesmo os singles “Wrong” e “Peace” vão além do refrão repetitivo, o que não impede que as letras continuem com um pessimismo exagerado e a estranheza da melancolia alegre. O mesmo serve para a faixa de abertura do CD, a épica “In Chains”, com sete minutos de sons aleatórios.

O álbum, apesar de mostrar uma nova face do Depeche Mode, possui um excelente conjunto, o que já existia nos trabalhos anteriores. Em “Sounds Of The Universe” não tem aquelas canções feitas apenas para completar o CD. Todas as faixas possuem sentido, desde a instrumental “Spacewalker”, de apenas um minuto e meio até a espiritual “Little Soul”, passando pela doce “Jezebel”. A música de encerramento, “Corrupt”, parece dialogar diretamente com “In Chains”, repetindo as mesmas distorções musicais e provando a ótima produção da obra.

“Sounds Of The Universe” veio mostrar para o público a para crítica que o Depeche Mode é muito mais que uma banda símbolo dos anos 80. O grupo mudou, amadureceu e não perdeu a identidade. O Martin L Gore pode até não usar mais roupas de couro e moicano oxigenado, mas a tristeza das composições ainda está presente. Até porque se bandas dos anos 2000 sofrem influências da década de 80 são elogiadas, mas se uma banda como o Depeche continua igual, será acusada de falta de originalidade. Assim sendo, o Depeche Mode prova de uma vez, se é que alguém tinha dúvidas, de que o grupo não é uma moda passageira, como o próprio nome sugere.


Não reciclável

Novo álbum da banda Titãs decepciona ao transitar entre o emo, o country e o brega – sem chegar a lugar algum

Por Gilberto Tenório

A capa e o encarte de Sacos Plásticos, novo álbum da banda paulistana Titãs, não traz nenhum dos cinco integrantes do grupo estampados em suas páginas. No lugar dos longevos representantes do Rock nacional, um punhado de manequins desnudos no que parece ser um galpão abandonado. A inovação e a qualidade reservadas ao material gráfico, entretanto, parecem ter sido esquecidas no que diz respeito à musicalidade do CD.
A primeira faixa, “Amor por dinheiro”, busca os Titãs da era “Ô Blesq Blom”, do final dos anos 1990. A tentativa, contudo, soa frustrada ao se apoiar em um arranjo monótono e pretensamente moderno que está mais para as bandas emo da atualidade que da iconoclastia original do grupo. Seguindo a mesma linha, “back to 80´s”, estão “Problema”, parceria de Paulo Miklos com os antigos parceiros Arnaldo Antunes e Liminha, “Múmias” – canção que abusa dos sintetizadores e de um refrão patético com direito a “cha-na-na-na-na” e “Deixa eu entrar”, com participação do guitarrista Andreas Kisser.
E como nada é tão ruim que não possa piorar Sacos Plásticos ainda traz algumas baladas que não servem nem para musicar romance de novela das seis. “Antes de você”, “Porque eu sei que é amor” e “Deixa eu sangrar” poderiam estar muito bem em um disco da Fresno – ou pior, de algum cantor “breganejo”.
Produzido por Rick Bonadio, o nome por trás do sucesso de bandas como CPM 22 e NX Zero (medo!), Sacos Plásticos pode ser considerado o trabalho mais fraco dos Titãs ao longo de 27 anos de estrada. Porém, a culpa pelo pífio resultado não deve ser creditada apenas ao produtor – justiça seja feita, ele não assina nenhuma das monótonas 14 faixas. Anunciado pelos próprios integrantes como uma espécie de renascimento do grupo, o álbum só serve para mostrar que talvez seja a hora de Sergio Britto, Branco Mello, Paulo Miklos, Tony Bellotto e Charles Gavin pensarem seriamente na possibilidade de seguir caminhos distintos em suas carreiras.

In Rainbows é brilhante ao fundir gêneros musicais

CD aumenta o alcançe de público da banda, além de discutir, de novo, a modernidade

Por Paulo Floro

Impossível não discutir a relevância da rock quando se analisa um novo disco do Radiohead. A banda não apenas é um produto cultural, como também fornece temas e significados que põe em xeque conceitos inertes da cultura pop. Mas ela não fornece subjects para debates de maneira deliberada. Suas ações movimentam de alguma forma o panorama das coisas. Foi assim com o OK Computer (1997), com o Kid A (2000) e agora com o mais recente disco, In Rainbows, lançado inicialmente apenas na internet, com o consumidor pagando quanto quiser por ele.
Que outro grupo musical hoje em dia tem esse alcance? Quem mais conseguiria causar tamanha comoção ao lançar uma obra? É neste quesito que convém falar sobre a relevância, não da banda, mas da música pop ocidental em si. In Rainbows antes de qualquer comentário sobre sua sonoridade, composição, assume sua importância pela mudança de caráter que encabeçou ao ser disponibilizado, de graça na internet, ao preço que o comprador escolher. De tão esperado, este novo disco já seria um evento de qualquer forma. O que vimos, no entanto, atiçou a indústria fonográfica e explicitou um movimento que já existe desde a virada do século, o download de músicas na rede. Afinal, é a maior banda da atualidade, que, sozinha, definiu o valor e a forma de distribuição de seu trabalho. Mesmo que um contrato para comercialização do disco no formato físico esteja em andamento, a ação inicial já marcou a história da música. E o Radiohead não desperdiça oportunidades de imbutir mensagens subliminares. Ao deixar aos fãs a decisão de quanto devem pagar pelo álbum, perguntam: quanto vale a música da banda? Melhor: qual o valor da música em geral?O que já está sendo chamado de revolução por parte da imprensa, nada mais é do que o passo natural da banda. Para quem discutiu relações humanas da pós-modernidade em OK Computer e teve o primeiro disco a "vazar" inteiro na rede, Kid A, adjetivos como revolucionário parece fazer parte da trajetória.

Conf_uso/ gen/i al

As fronteiras musicais do Radiohead se tornaram distantes do resto da música pop desde que abandonaram o brit-pop em OK Computer e chegaram ao ápice da experimentação em Kid A e Amnesiac (2001). É com esses dois últimos discos que In Rainbows dialoga. Havia uma expectativa que a banda soasse mais rockeira, mas todos descobriram que isto soaria convencional demais para as pretensões artísticas do grupo. Confuso é dizer a que gênero a banda pertence ao ouvir o novo disco. Cada vez mais próximo do jazz, tudo parece remeter a uma sonoridade única. "15 Steps" continua de onde o disco anterior parou. É cheia de climas etéreos, mas tem muita percussão, ritmo. O clima depressivo que parece fazer a fama do grupo até para quem pouco ouviu qualquer disco, encontra forma em "Nude", balada minimalista, bem ao estilo que todos esperam do Radiohead. "Weird Fishes/Arpeggi" segue a mesma ordem, só que coloca um piano ao fundo para conversar com uma bateria acelerada e um climão tenebroso ao fundo.A influência do jazz já tão presente na banda ganha mais vigor em "Rockoner", uma jam session com guitarras, piano e a percussão de Jonny Greenwood. A experiência é maior ao ouvir em headphones, já que a mixagem soube aproveitar bem canais esquerdo-direito para propor novas texturas e sons. "Bodysnatchers" retoma os riffs dançantes do início do grupo, provoca o ouvinte a se mover, quase numa catarse. Grita Thom Yorque: "Estou preso neste corpo e não consigo sair"."Jigsaw Falling Into Place" mata a saudade dos vocais angustiados de Yorque, com a diferença de se tratar de uma animada levada, semelhante a "2+2=5" de Hail To The Thief (2003). A música vai num crescendo, coro ao fundo, guitarras aumentando o tom, tudo muito tenso até desembocar em "Videotape", a última faixa do disco. Basicamente no piano, é pontuada de sintetizadores e barulhinhos. A música, assim como muitas outras deste álbum, existe desde o ano passado e já foi tocada em shows pela banda, mas ganhou uma nova roupagem agora e tem significado e impacto maior quando ouvida na sequência usual do CD.Para uma banda de rock que já trabalhou em discos sem guitarras, o Radiohead fica à vontade em arrefecer convenções roqueiras. É díficil definir qualquer música do disco. Cheias de referências, as canções de In Rainbows vão da eletrônica ao namoro com o erudito. Tudo no disco mais acessível da banda desde OK Computer. O ouvinte médio, que não desbravou os álbuns difíceis dos ingleses, pode baixar de graça e curtir o disco sem muita dificuldade. Esse maior alcance aponta de forma mais visível a força do Radiohead em se lançar como a banda mais influente em atividade hoje.


Já que sou, o jeito é ser.


Enquanto eu tiver perguntas e não houver resposta, continuarei a escrever.

(...) Pensar é um ato. Sentir é um fato.


Por Clarissa Dutra


A Hora da Estrela - 1976. Penúltimo romance e última obra publicada em vida pela Clarice Lispector, em 1977. Escrito após sua visita à Recife, alguns críticos afirmam que esta viagem “de volta ás origens” foi crucial à matéria prima para finalização da obra (em essência, por Clarice ter vivido a infância pobre no Nordeste), é escolhida, também, como seu livro mais autobiográfico – ou não (?). Percebe-se que o livro possui um discurso regionalista (algo incomum em suas obras anteriores), assim como desafia a realidade com sua extroversão. Pela primeira vez, Clarice se afasta da sua característica mais marcante: o intimismo. O romance foi adaptado para o cinema por Suzana Amaral em 1985 e a atriz Marcélia Cartaxo interpretou Macabéa – a personagem central da história.


Eu sou datilógrafa, sou virgem e gosto de coca-cola.


Clarice se utiliza de um falso autor, o narrador Rodrigo S.M, para relatar a história da datilógrafa alagoana de 19 anos, ignorante, órfã de pai, mãe e da tia que a criou. Macabéa, tentando escapar da miséria e do subdesenvolvimento, migra para o Rio de Janeiro e acaba indo morar numa pensão em que divide o quarto com quatro moças. Leva uma vida sem muitas emoções, pois é indiferente a elas. Sua única paixão em vida era “goiabada com queijo”, e ainda sim, era privada desse desejo. Uma personagem estereotipada: nordestina miserável, sem ânimo para vida, sem inserção no mundo, alienada. De uma precariedade tão absurda, que às vezes ia dormir com fome e o “remédio era mastigar o papel bem mastigadinho e dormir”.

Gostava de ouvir a Rádio Relógio porque os locutores falavam "palavras diferentes" embora ela desconhecesse os significados e não soubesse o que fazer com as informações. No desenrolar da trama, ela conhece Olímpico de Jesus – operário, e começam a namorar. Os dois apresentam ruídos no processo de comunicação: ela por não saber e não ter o que dizer e ele por se sentir superior, principalmente em relação ao aspecto lingüístico. Olímpico era ambicioso, capaz de qualquer ato para ascender socialmente. Até que ele conhece Glória – colega de trabalho de Macabéa, e sua relação não se sustenta, porque não vê nela chances de ascensão social (de qualquer tipo). Glória, no entanto, por pena, percebe a tristeza da colega e a aconselha buscar consolo numa cartomante.

Clarice Lispector insere na narrativa relações com a sua própria infância no nordeste, com a experiência que conseguiu capturar "o ar meio perdido" do nordestino na cidade do Rio de Janeiro, através de uma mulher na feira em São Cristovão e, outra inspiração foi uma visita que fez a uma cartomante. Na época, ela imaginou como "seria engraçado" se na saída, fosse atropelada por um taxi depois de ouvir todas as coisas boas que a cartomante tinha previsto.

Na obra, a Madame Carlota – indicada por Glória, prevê um futuro feliz pra Macabéa, que viria de um estrangeiro que ela conheceria assim que ela saísse da consulta, e esse “homem louro com quem casaria” – iria mudar repentinamente a sua vida. De certa forma, é o que acontece: ao sair da casa da cartomante, Macabéa é atropelada por um homem que dirigia um luxuoso Mercedes-Benz e acaba morrendo. Esta é a sua "hora da estrela", ela que queria “ser artista de cinema”, tem seu momento de libertação - para alguém que, afinal, "vivia numa cidade toda feita contra ela". Seu último suspiro é quase um afronte: “Quanto ao futuro”. Não há respostas – é a grandeza de cada um.


Descobrimos, agora, que tudo começa e acaba com um sim.
Também é preciso coragem para morrer,
silêncio para ouvir o grito da vida.


A Hora Estrela não é (tão) denso como as outras obras da Clarice, mesmo assim é difícil analisá-la. Há sempre algo nas entrelinhas, nos diálogos, seus personagens querem mostrar algo que parece ser simples, mas não é. Personagens e temáticas arremessadas em uma realidade próxima, alcançável aos olhos, mas é uma armadilha: Clarice sempre deixa um pouco das suas perguntas submersas, apesar de profundas. Mesmo parecendo tudo muito à mostra, ela desafia-nos a descobri-las, a buscá-las dentro da gente – que é sempre perturbador. Por isso que, muitas vezes, é considerada inacessível. Ela “cutuca” a ferida, mexe nos baús secretos da mente da gente, na nossa ideologia e nas razões da nossa existência. Ela não dá respostas, só pergunta “porquês”.

“Mas Clarice Lispector é tão chata!”. Foi com essa empolgação que (não) me aconselharam a falar da escritora e sua obra. Ok... É muita ousadia mesmo, “tentar”, falar algo sobre a Clarice. Deve ser por isso que passei uma semana inteirinha digitando e deletando, digitando e deletando, fingindo não ser comigo a “obrigação” de tentar descrever a sua obra-prima: Macabéa. Se a própria Clarice trouxe treze títulos diferentes à obra, quem sou eu para confrontar a intensidade lírica, as metáforas, as indagações filosóficas e o seu profundo mistério? Precisei me reencontrar com Macabéa e pedir licença pra ela ser um pouco minha.


A pessoa de quem vou falar é tão tola

que às vezes sorri para os outros na rua.


Macabéa é minha anti-heroína. Tão ingênua que chega a ser “incompetente para a vida”. De uma delicadeza e pureza que alguns a interpretam como cômica. A mim não. Em nenhum momento do livro e nem do filme (que trás mais deleites visuais) achei graça alguma. Pra mim, ela é sofrivelmente linda. Eu repito baixinho as suas falas – quase decoradas, e sempre, sempre choro. Ela tem “olhar de quem tem uma asa ferida”. Sabe como é?

Minha vontade é de pôr Macabéa no colo.

- Macabéa, você é feliz?

- E feliz serve pra quê?


Vontade de explicar pra ela o que é felicidade, porque ela “não sabia que ela era o que era, assim como um cachorro não sabe que é cachorro. Daí não se sentir infeliz. A única coisa que sabia era viver”. Pra mim, ela é inoxidável, frágil, pura, cativante. Um personagem que “grita” muita coisa, mesmo sendo de um alerta silencioso. Com ela sinto uma vontade de sacudir o corpo inteiro, pra reagir. Porque, como ela mesma diz: "a vida é um soco no estômago". E a gente precisa, todo dia, de alguma provação pra ser alguém no mundo.

Tinha prometido a mim mesma que demoraria a reler A hora da Estrela. Mas é, voltei! Macabéa voltou pra mim num suspiro... ou num susto. E eu sei que vou demorar pra largá-la, novamente. Não tem como sair ilesa. Com ela eu me pergunto: “quem sou eu”? Ela me provoca essa necessidade, mesmo me mostrando que “quem se indaga é incompleto”.

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É que só sei ser impossível, não sei mais nada.

Que é que eu faço para conseguir ser possível?