Britney Spears – Circus Tour 2009



Música ao vivo pra quê?

Por Otacilio Gaudencio

Chego no local do show: EnergySolutions Arena, o maior estádio do estado(Utah). Eu morava naquela área da cidade (Salt Lake City), a apenas dois quarteirões dali e NUNCA tinha visto aquele lugar daquele jeito. Muita gente, muitos carros, trânsito congestionado. Vale enfatizar que o número de limusines no local era proporcional ao de Celtas na cidade do Recife. Grupos de amigos, com garrafas de champanhe saiam delas babados e gritando.

Após uma breve revista, entro no estádio. Lotado. Eu estava do lado oposto da entrada pro meu camarote. No caminho, que é rodeado de lojas de fastfood, vários quiosques de venda de pipoca, algodão doce e suvenires, todos estampados com o nome da cantora e com o emblema da turnê, que é o mesmo do último Cd dela, o Circus. Misturados a eles, raros quiosques de cervejas draft (leia-se Chope, única bebida alcoólica permitida em estádios americanos), que eram os recordistas em fila.

Mas o que mais chamava atenção eram as pessoas. Pessoas de todas as idades, de crianças de colo a idosos, de todas as cores, gêneros, classes sociais e tudo que possa ser classificável. Muitas garotas e muitas delas - até alguns rapazes também - vestidos de alguma maneira a aludir Britney Spears. Só no meu caminho eu vi todas as variações de Britney Spears no clipe de Toxic, Baby One More Time, Womanizer e várias outras que não consegui identificar de onde vinham. Sem contar os homens, que em grupos vestiam camisas com o nome Womanizer (que significa mulherengo, ou pegador, já que o termo é meio que invariável) ou alguma frase fazendo alusão a alguma música da cantora.

Ao entrar no meu camarote, me deparo com um palco em formato de arena, circundado pelo público, como o picadeiro de um circo. E era essa a intenção. Um telão gigantesco circundava o “teto” do palco como uma aréola. Nele o emblema de uma grande rede de telefonia celular americana, que por sinal estampava toda e qualquer coisa que se relacionasse ao show.

Próximo a começar o show, um grupo de palhaços começou a montar a estrutura do palco, que se tornava uma espécie de picadeiro, maior do que antes com duas “abas” nas laterais. Terminada a apresentação, começaram os números circenses. Todos os tradicionais de circo, como engolir fogo, malabarismo, com ênfase especial a um com uma espécie de cubo giratório que nunca tinha visto. Todos acontecendo em lados opostos aos de onde o palco esta sendo montado. Ótima maneira de distrair o público para meia hora de preparação de palco.

Nesse momento, percebo que não estou apenas a uma distancia privilegiada do palco, estou no melhor lado dele. Um grupo de aproximadamente 30 pessoas começa a se posicionar entre o palco e os sofás dos VIPS. Ao meio de uma parafernália absurda. Eles iriam roubar minha atenção em porcentagem significativa show...

Terminada a montagem, eis que as luzes se apagam e o telão surge novamente em nossas frentes, dessa vez, escondendo todo o palco. Nele, está um homem afeminado, vestido com uma roupa feminina do século retrasado, com uma musica de circo, cercado por coisas estranhas no picadeiro de um circo. Ninguém menos que o comediante Perez Hilton. Uma imagem no mínimo bizarra. Algo que parecia mais um demônio que propriamente um rei (ou rainha). Após quase cinco minutos de falação e bizarrices, ele pergunta se estávamos prontos para a “orgia”. O som era muito alto, mas eu não tenho dúvida de que muitas criancinhas estariam chorando naquele momento e muitos pais de cabelo em pé. Uma seqüência de vídeos e flashes rápidos da cantora correram no telão. O telão se apaga e a gritaria do púbico aumenta. O fundo de uma música começa. A sensação é de dar arrepios, não pelas bizarrices, e sim pela magnetude do evento.

Ao subir, o telão revela o grupo de dançarinos, fazendo tudo que um circo pede. A iluminação somada ao telão e ao som estridente da música circus. O público inevitavelmente entra em transe. Uma mulher extremamente branca e loira surge causando um estrondo de gritos no estádio, vestida com uma roupa que me lembrou Xuxa nos primórdio dos anos 90. Descendo da parte de cima do estádio. Coincidência? Ou será que elas fizeram um pacto com a mesma pessoa?

Talvez seja por vê-la ao vivo, ou talvez seja o conjunto da produção do show que dão o estase da coisa. A verdade é que tudo ali convergia para o “embasbacamento” de qualquer desavisado. Luzes, imagens, sons, pessoas em movimento, tudo o que pode ser explorado pelo entretenimento estava sendo usado.

E o show começou, depois da introdutória circus, nada melhor do que piece of me para ser a segunda. Afinal, era um pouco disso que todos ali estava tendo (ou ao menos queriam ter). No fundo as duas são grandes críticas: “Isto é um circo e vocês querem um pedaço de mim.”. O que seria bem desenvolvido até o último momento do show.

Saído do alvoroço de abertura, o show seguiu entrando em seu ritmo, sem grandes estupores. Logo veio, Radar e a irritante Gimme more – que na versão tocada ficou menos irritante. O telão sempre fazendo o seu incessante papel de complementar o que talvez faltasse na configuração confusa do palco. E cada musica tinha sua imagem, Gimme more foi escrita japonesa, Radar fotos de pessoas de circo do início do século passado(?!). Uma homenagem, talvez.

Em seguida veio ooh ooh baby e hot as ice, com um número de ilusionismo bem interessante na transição entra as duas. E foi se seguindo ameno o show. Sem grandes estardalhaços, mas mesmo assim empolgante. O público já estava se familiarizando com a cantora.

If U Seek Amy, que naquela semana estava no topo das paradas, não teve uma performance tão empolgante quanto merecia. Em seguida, me against the music conseguiu ficar divertida em uma roupagem à Índia, e lá iam as mãozinhas indianas no telão. E, finalmente, uma música lenta, a depressiva everytime. Nesse momento, a cantora pela primeira vez fez o seu contato com o público.

Uma voz extremamente fina, aparentemente de uma garota de 12 anos, que em poucos pontos se parece com o da cantora cumprimentou a cidade e o público, com o velho clichê que funciona: “I’m so happy to be here tonight”. Boa parte do público se entreolhou desconfiado, mais pela voz do que pela frase. E também foi nesse momento que pela primeira vez, a música parecia, em alguns momentos não ser um playback. Apenas parecia.

E eis que ela some mais uma vez, e o telão desce. O que eu não tinha percebido, ainda, era que a parte “boa moça” do show tinha acabado. O vídeo do que parecia um pré-orgia começou a ser rodado e com a voz de Marlyn Manson cantando sua versão de Sweet dreams, e no final, surge a voz de Britney distorcida (que novidade!) de maneira bem bizarra. Bem, legal. Sinal de que o show acabou para as criancinhas.

Nesse momento tive a minha atenção desviada, novamente, para o grupo de pessoas próximas ao palco. Por mais que eles tocassem, eu não acreditava. Bateristas, guitarristas, baixistas, backingvocals, e vários outros que eu não compreendi a função. Se Britney Spears nítida e obviamente não cantava ao vivo, qual seria o motivo para eles TOCAREM, ao vivo? Fingir? Talvez. Mas eles realmente tocavam, principalmente a bateria, base da musica pop. Na distância em que eu estava ficava claro que o que movimentava lá, saia no som perfeitamente. Fiquei boquiaberto com o sincronismo deles com a música. Não seria mais fácil colocar um cd?

E eis que freakshow abre a segunda metade do show. E Britney surge, dando chicotadas em seus bailarinos, o que parece uma festinha sado-masoquista seguida por get naked. Na mesma linha sensual. E em meio a reboladinhas e gemidos, acontece a melhor parte de todo o show...

Em breathe on me, dois os bailarinos chegam discretamente de cima com uma coreografia e roupas (sado) bem suspeitas. Em touch of my hands eles formam um arco em uma posição que não sei descrever, onde a cantora senta em cima deles. Bem na linha “é-pra-isso-que-os-homens-servem”, deixando o público em estase. Mas o melhor estaria por vir, ao descerem desunidos de onde vieram, um dos dançarinos pendurados, literalmente acocha a cantora e a leva para o alto, até sumirem, isso tudo no ritmo da música. O público entrou em pavorosa. Naquele momento eu pensei que realmente é muito querer que ela cante de verdade fazendo tudo o que faz no palco.

E no resto do show, não houve nada de mais. Do somethin’ seguiu a mesma linha do clipe. I’m a slave 4 u também. Logo em seguida veio a apresentação dos dançarinos, que deram um show aparte, sem a presença de Britney no palco. Logo veio toxic, sem muita graça, e sem nada a ver com o clipe e a já clássica baby one more time. O que me desapontou foi break the Ice, curta de mais.

O telão fecha o palco mais um vez, e uma imagem branca pisca. Um barulho de sirene toma conta do local revelando a batida de womanizer e o público de súbito se aproxima do palco. Eles entenderam o que eu ainda não tinha: aquela era a última música do show. E várias câmeras de segurança começam a fazer piruetas em um efeito bem interessante, como se dissessem “estamos vendo tudo”. E eis que Britney surge vestida de policial (!) para a última performance. Nos segundos finais, todo staff de dançarinos se concentra no meio do palco e uma chuva densa de faíscas e papel picado caem do “céu”. Muito legal de se ver, e empolgante. Simpática, ela agradece e se despede do público. E como um funcionário que nota que já deu a hora de fazer o “clockout”, Britney sai do palco.

Foi isso! Todos tiveram o “pedaço” de Britney e ela não tinha mais nada o que fazer ali. O show foi perfeito, pontual, simétrico, e divertido. E é por isso que ele é bom. Ele é o que um produto daquele tem que ser: perfeito. E é isso que o faz tão artificial. Assim como a cantora.

Musicalmente, ele agregou o melhor que já produzido no nome de Britney Spears, leia-se do quarto disco In the zone passando pelo excepcional blackout, chegando ao que interessa do maduro Circus, e claro, as clássicas. Assim como o melhor em profissionais de iluminação, vídeo, dança e música. E mesmo com temas mais sensuais/sexuais, o show conseguiu não cair em vulgaridade.

Você sai do show com a sensação de que consumiu o produto máximo do melhor que a indústria do entretenimento pode oferece. Sem defeitos e ao vivo. E sente, que mais do que um produto, Britney Spears nada mais é do que uma personagem.

O show só mostra que Britney nada mais é do que o reflexo de toda uma geração, de todas aquelas meninas que estavam ali, de todos e que interpreta o sexo de uma maneira aberta. Ela é a cultura da juventude americana personificada. E não ela, mas sim essa cultura que é o que dominou o mundo. Hoje é Britney, amanha será outra.

Se eu tivesse assistido ao show no Brasil, ou em qualquer outro lugar fora do EUA, sem duvida a experiência não seria tão completa. Por isso, pra que se preocupar com musica ao vivo, playback, quando o que se tem ali é um produto que oferece muito mais do que uma moça cantando. Isso talvez seja o de menos.

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