Apesar de pieguices saga literária de Crepúsculo prende


Modinha para os adolescentes de hoje Crepúsculo pode ser algo mais

Por Otacilio Gaudencio

Parece que toda década tem uma parcela dedicada aos vampiros. Um mito tão antigo, mas que mesmo assim parece ocupar um lugar especial no imaginário humano. E eis que os anos 2000 não estão sendo diferentes. A saga Crepúsculo (Twilight) já é um dos maiores fenômenos literários desde a morte de Harry Potter. Lançada em 2007, ela fez o grande favor de retirar os vampiros de seus caixões para o final da primeira década do século.

O livro Crepúsculo (que intitula a saga) é o primeiro de quatro livros lançados. Para ser sincero, eu comecei a ler o livro sem fazer a mínima idéia do que se tratava, eu nem se quer li a contracapa. E somente quase na metade fui entender que se trava de vampiros. Uma ótima jogada, pois isso foi o que me prendeu a ele até aquele ponto.

O enredo conta estória de uma garota, Bella, que se muda para uma pequena cidade em Washington, e, recém chegada, conhece um grupo de irmãos esquisitos do qual se apaixona por um deles, Edward. No meio do livro ela descobre que eles fazem parte de um grupo de vampiros que não bebem sangue humano, eles são “vegetarianos”, só bebem sangue de animais selvagens. Ruim para o equilíbrio ecológico da região. Ela também descobre que cada um deles tem um “dom” especial que adquiriram ao se tornarem vampiros. São dons como prever o futuro, controlar o humor das pessoas, localizar pessoas e o de Edward, que é ler a mente das pessoas. E que por algum motivo não é capaz de ler a mente de Bella...

A narrativa é feita em primeira pessoa pela protagonista, Bella. É um livro razoavelmente cansativo e nitidamente para adolescentes, como se a autora fosse uma aprendiz de J.K. Rowlling escrevendo para os leitores de Harry Potter já saídos da puberdade. É óbvio que o livro foi feito para meninas de colegial. A maneira como a narrativa é quebrada para que Bella fale o quão o seu amado é lindo, irrita. E como irrita! Cansa bastante a quantidade de vezes em que se para uma linha de raciocínio para se dizer coisas como “eu me esqueci como se respirava ao olhar pra ele” ou “E ao olhara para ele, esquecia que ele era encantador e perfeito, era impossível eu parar de olhar para ele” e coisas mais piegas que isso.

Mas o pior fica por parte da “discussão da relação”. O que se mostrou uma constante na saga inteira (pelo menos até o 3º livro). Sempre há um capitulo que é para discussão da relação deles e que se o leitor for sagaz, ele pula, afinal não vai fazer a mínima diferença para a compreensão da estória como todo. Parece que esses capítulos só servem para encher lingüiça, coisa que a autora faz quase bem.

Mas o que prende no livro, para os que não são as menininhas colegiais que ainda acreditam em amores daquele estilo (fruto de uma limitação mental causada pela imaturidade), são os mistérios que vão surgindo durante a trama.

No segundo livro, Lua Nova, do qual acaba de ser lançado o filme, um dos personagens mais consistentes (se não o mais) e interessantes da saga ganha seu merecido espaço: Jacob. Por isso o título do livro! Depois de alguns incidentes do fim do primeiro livro e do início deste, Edward, “a-coisa-mais-perfeita-que-a-protagonista-já-viu” decide dar um pé na bunda da querida para o próprio bem dela. E ao cair em depressão profunda, a figura do amigo Jacob se torna um grande suporte para superar a dor da perca do amado. O amigo se torna o maior consolo. Mas agora além de vampiros também aparecem os “lobisomens” ou “alternadores de corpos” (?) (shapeshifters) que se transformam em lobos. E Jacob, do meio pro fim se torna um dos lobisomens, que por sua vez são inimigos naturais dos vampiros. Então vocês já entenderam, né?

Mas o segundo livro, apesar de ter pontos chatos, e ter o capítulo de “discussão de relação” mais chato de toda a saga, dá a bola da vez para Jacob, o personagem mais consistente e que vai ser o detentor dos pontos mais interessantes da saga. Ao contrario do amor entre Bella e Edward, o amor que Jacob sente por Bella e ela por ele é natural, sem nenhum tipo de “forçassão” ou imagem utópica. Ele é sóbrio, está para ela independente de qualquer coisa. Em uma das passagens, talvez uma das melhores da saga, ele fala para ela “Eu seria o seu sol, o seu ar, água que você bebe e que lhe mantêm viva. Ele é apenas uma droga pra você, ele apenas te entorpece” Bonito, né? Mas o motivo de todo esse amor só é explicado no quarto e último livro da saga...

É também no segundo livro, que surgem o grupo de personagens que vão ser determinantes para a saga inteira. Os Volturi, a “realeza” vampiresca européia, o grupo de vampiros mais antigos da terra com mais de 3 mil anos de vida, ou de falta dela. Eles têm participação significativa no que realmente interessa da saga e talvez pudessem ter sido mais bem explorados pela autora. Vão ser personagens extremamente importantes para o desenrolar da trama...

Bem, a partir deste ponto, qualquer detalhe que eu der vai tirar todo e qualquer barato de ler a saga, ela é toda interligada e coisas iniciadas no primeiro livro, são terminadas no terceiro, dúvidas do segundo são esclarecidas no quarto e assim por diante. E elas são muitas.

O terceiro, Eclipse, serve mais para finalizar problemas relacionados ao primeiro e ao segundo livro e para abrir margem para o grande contexto final da estória, e que causa várias duvidas e mistérios perante o final. Ele não tem nada demais, segue a linha dos dois primeiros, sempre com uma grande tensão nos capítulos finais. O livro pontua a divisão que Bella sente entre os seus dois amores. É nele que Bella começa a perder merecidamente o espaço na narração para Jacob.

E é no quarto livro, “Amanhecer”, o melhor de todos da saga, que tudo acontece, que todas as dúvidas são tiradas e tudo que ficou nebuloso nos outros livros é esclarecido. É nele também que o amor entre os protagonistas é expresso de uma maneira mais sóbria, com menos pieguices. É nele também que acontecem os fatos mais surpreendentes e determinantes da saga. É nele, por exemplo, que é explicado o motivo de Edward não conseguir ler os pensamentos de Bella. Ah, e parte dele se passa no Brasil.

Mas pelo o que tudo indica, não haverá um quinto livro. Após ter os “manuscritos virtuais” de “Midinight Sun” (Sol da Meia Noite) roubados, a autora, Stephanie Mayer se irritou e disse que não vai escrever mais nada. O livro se tratava da história do primeiro sendo que narrado pela perspectiva de Edward, e pode ser encontrado na internet incompleto até o capitulo 15. Talvez a autora devesse estar mais preocupada em dar uma continuação aos fatos do quarto livro, do que dar uma nova perspectiva do primeiro.

A saga crepúsculo é assim, para ser lida na alienação, sem se saber nada sobre ela, o que é bem difícil hoje em dia. No fim, a sensação que se tem é que Harry Potter criou um estilo, um modelo do qual Twilight está seguindo e do qual outros seguirão. A saga originou uma serie de filmes, uma serie de TV (True Blood) que é sua versão mais tosca e menos correta. E parece que a sua intenção é durar mais tempo que em outras décadas. Tudo indica que a modinha vampiresca dos anos 2000 entre um pouco na próxima década.

O que crepúsculo quer dizer ao mundo? Talvez muita coisa se prestarmos atenção às entrelinhas. Às vezes parece que ela está preparando as pessoas para algo novo. Para um mundo tão surreal quanto o dos vampiros. E no fim, fica aquela curiosidade, será que eles realmente existem, ou existiram? A cada década, eles ficam mais científicos e menos mitológicos, talvez daqui pro fim deste século, vampiros vão ser pessoas que apenas bebem sangue de galinha.


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