De graça e com graça

Peça Cordel do amor sem fim, de Samuel Santos, diferencia-se por abrir diálogo entre diretor, público e atores

Por Danielle de Moraes

Espaço Compassos, Rua da Moeda, número 93. Tinha que chegar à esse local para assistir Cordel do amor sem fim, em cartaz por todo o mês de novembro. Normalmente vou à Rua da Moeda à noite para encontrar com amigos e reduzir o estresse da semana tomando aquela cervejinha. Encontrar bares é, definitivamente, mais simples para mim. Cheguei ao número 93 e o que encontro? Um bar! Fiquei um pouco desnorteada, mas dois senhores que estavam batendo papo logo disseram para dobrar a direita e entrar na primeira porta que encontrasse. Era uma porta estreita, mas na frente havia um rapaz para confirmar que eu havia, enfim, chegado ao meu destino e que a peça havia começado há cinco minutos. Subi, na escuridão, algumas escadas também bem estreitas e me deparei com um espaço pequeno, mas com um público considerável para um espetáculo pouco divulgado. As pessoas estavam envolvidas pela atuação dos quatro atores que interpretavam as irmãs Tereza, Madalena e Carminha, e José, o homem rude apaixonado por Tereza.
Além deles, notei imediatamente a presença de um rapaz, Bruno Rodrigues, sentado no canto esquerdo do palco que tocava violão e percussão, dando ritmo à apresentação. Quando falo de palco, me refiro ao espaço delimitado aos atores para a encenação. Na verdade, o que os dividia do público eram poucos fios e alguns refletores em formato de concha. O cenário era bem simples. Utilizavam uma porta que se desmontava em quatro partes e servia de assento para os bancos, algumas luzes envolvidas por uma renda que lembrava pequenos mosqueteiros e objetos que remetiam ao ambiente em que a história se passava, a cidade de Cariranha, na Bahia. Colher de pau, caldeirão, pilão, lençóis, bacias, velas, faca e corda foram os objetos que, apesar de simples, serviram para localizar o espectador e guiá-lo na história.
Três coisas me chamaram muita atenção durante a peça: a atuação dos atores, a iluminação e a sonoplastia. Os quatro atores desempenharam, ao longo da peça, papel de personagem e narrador. Isso foi feito de forma que o público não se confundiu. Apesar do ator Thomáz Aquino interpretar José, de Agrinez Melo viver Carminha e Monalize Mendonça ser Tereza, eles também desempenharam brilhantemente a função de narrador. A atriz Nana Sodré deu vida à Madalena, a mais carrancuda e intransigente das três irmãs, à Antônio, o grande amor da sonhadora Tereza e também foi narradora. Entretanto, esses papéis não se misturavam. O espectador tinha plena consciência de quem cada ator interpretava em cada parte da trama.
As expressões marcantes, os gestos fortes, o olhar foram os grandes responsáveis por guiar o público. Tereza, por exemplo, personificava a liberdade, tinha braços soltos, corpo livre e fazia movimentos com base no Tai Chi Chuan. Madalena, ao contrário, era encurvada, fechada, de tudo reclamava. Carminha vivia entre as duas e tinha sua vida marcada pelo amor contido à José, homem bruto que amava de forma doentia Tereza, a moça sonhadora que conheceu Antônio no Cais e passou a vida esperando por sua volta. As vozes dos atores também modificaram quando deixavam de ser personagens e passavam a ser narradores. A preparação psicológica de Thomáz Aquino e Monalize Mendonça para as cenas de nudez do espetáculo também precisam ser levadas em consideração, passar por cima dos pudores enraizados em nossa sociedade não é simples. Isso explica a classificação de 18 anos do espetáculo.
As luzes também guiaram o público. A intensidade delas modificava para indicar passagem de tempo e desviar a atenção do espectador para determinados locais do palco, que foi improvisado e cresceu consideravelmente graças ao jogo de luzes.
Os sons foram utilizados para dar ritmo à trama, como já disse. Eles desviavam a atenção do público enquanto os atores adicionavam objetos e modificam a organização do cenário. Vale salientar que não podiam contar com camarim, dada a simplicidade do Compassos. É por isso que eles quase não mudam o figurino, que também é simples para estar em sintonia com o sertão nordestino. Além disso, as letras das músicas de tom lírico cantadas também pelos atores ajudavam a contar a história. Entretanto, não gostei de algumas falas que foram musicadas, achei o apelo musical excessivo em alguns momentos. A percussão presente em algumas cenas também não agradou. Desviou um pouco a minha atenção e acredito que a do restante do público também.
Ao afinal da peça, uma surpresa. O diretor apresentou-se e abriu espaço para discussões e debates. O público pôde, então, questionar, perguntar e conhecer um pouco mais sobre a produção de uma peça, a preparação dos atores, o texto encenado, assinado por Cláudia Barral, e até sobre as dificuldades de fazer teatro alternativo no Recife. Foi aí que descobri que Tereza existiu, aquela era uma história construída a partir de fatos reais. Como aprendi ao longo dos 90 minutos que passei dentro do Espaço Compassos, se não for contada, a história deixa de haver. E a história de Tereza foi imortalizada. Sabe quanto custa para conhecê-la? No máximo a passagem de ônibus ou o dinheiro da gasolina. A peça é de graça e acontece às 19h das sextas-feiras.



Peça segue em cartaz até o fim de novembro

2 comentários:

Jornalismo opinativo disse...

Chapéu: Sertão
Crédito da foto: Divulgação

Unknown disse...

olá não sabiámos ( artistas da cidade) que há um blog sobre crítica de jovens jornalistas na cidade louvo a iniciativa pois é um mais canal de dialogo que se abre entre imprensa que surge o teatro. abraços samuel santos. tem duas citções que está incorreta; é jo´se e não joao como você coloca homem rude... e o músico é Bruno Rodrigues e não Josias Albuquerque. Bem no demais louvo mais uam vez e continuem. Samuel Santos