Por Otacílio Gaudencio
Para todos que tiveram infância nos anos 80 e 90, um dos produtos indispensáveis na prateleira de guloseimas era o biscoito recheado, em especial o de chocolate. Do Biscoito Recheado de Chocolate sem nome da extinta São Luís, que logo se tornou o Bono, ao Guffus, todos, ou ao menos algum deles, marcou a infância de todos nós e até hoje nos persegue em momentos oportunos. Quem nunca assistiu Castelo Rá-tim-bum comendo biscoito?
E esse hábito não mudou. Se antes ele era a vedete da hora de lazer ou do lanchinho da escola, hoje, mesmo não sendo uma opção saudável, o biscoito é uma alternativa rápida, prática, saborosa e barata para a correria do dia a dia. A maioria das pessoas já ouviu – ou já falou - a frase “Hoje foi tão corrido, mal tive tempo de comer. Comi só um biscoito”. E isso parece ter ganhado força com aumento de marcas e sabores disponíveis no mercado. Se antes só tínhamos chocolate e morango, hoje temos limão, maracujá, caramelo, côco, banana, baunilha e até sabores complexos como bem-casado, floresta negra, napolitano e o mais novo lançamento da linha Treloso: brigadeiro.
Treloso é a marca mais popular do mercado, que já foi tão barata que no passado não tinha nem embalagem. O produto, que era (e até hoje é) vendido em fiteiros, parecia não ter muitos adeptos, pois a maioria morria de medo de consumir o dito cujo, visto o suposto modo suspeito como ele poderia ser fabricado, já que custava apenas R$0,10 (dez centavos). Alguns corajosos, desde daquela época já o consumiam e gostavam. Talvez um certo tato sobre o sucesso que a franquia iria alcançar.
Mas ele cresceu, deram uma embalagem de biscoito de verdade ao tão rejeitado produto e decidiram elevar um pouco o preço, mas sem perder a popularidade. Ganhou anúncios de televisão, revista, outdoors e tudo que um produto que se preze tem direito. E o que antes era considerado um “biscoito de pobre”, hoje já se encontra na lista de compras de famílias de todas as classes.
Ele já compete como gente grande. O já não mais tão bom Bono, que parecia ser o mais imponente e inabalável do mercado parece estar sentindo o poder do emergente da indústria pernambucana. O recheado que já chegou a preços exorbitantes como três reais, hoje é oferecido na mesma faixa de preço que o Treloso, a menos de um real. E, como biscoito emergente, tem ganho novos sabores.
Mas qual seria a lógica de se lançar um biscoito de brigadeiro se já existe o de chocolate? Afinal, brigadeiro é chocolate. Foi para desvendar esse mistério que fui ao supermercado na sessão de biscoitos e bolachas. Com o excesso de informações nas prateleiras é bem difícil achar algum biscoito que se destaque, e nesse sentido o que faz chamar a atenção do consumidor é a etiqueta do preço, o que faz os da linha Treloso gritarem. De longe são os mais baratos da sessão de recheados. Tão baratos, (Apenas 68 centavos) que alguns supermercados colocam seu preço com uma tarja de promoção ou oferta. Apesar de que ele pode inflacionar de acordo com o local. Nos fiteiros e quiosques, ele pode chegar a um real.
A embalagem do produto não se difere muito das dos outros sabores da linha. Só faz uso do vermelho, mostrando a imagem de brigadeiros, com a imagem de um biscoito com granulado para diferenciar dos demais sabores. A frase “Rico em Vitaminas e fonte de cálcio” estampada em destaque na embalagem parece mostrar para quem o produto é voltado: as classes menos instruídas. E que deve servir para ajudar as criancinhas dessa mesma classe a convencerem os pais a comerem o biscoito na hora do almoço.
O que é desmistificado também na própria embalagem, na área de valor nutricional. Vitaminas, cálcio e fero são as quantidades mais insignificantes. Tão insignificantes que são contadas em miligramas e com um o,(zero virgula) na frente. Já os grandes vilões dos nutricionistas, as gorduras e os carboidratos são contados em gramas e com valores bem altos. Outro fator que também chama atenção na tabela é a contagem das gorduras. Se ela especifica que o total de gorduras é 5,5g, que de saturas se tem apenas 1,4g e “não contém trans”, então quais tipos de gorduras seriam os 4,1g remanescentes das totais? Maquiagem? Parece uma prática comum nos produtos industriais brasileiros. Outro ponto na embalagem que chama atenção dos mais observadores é o local de fabricação: Prazeres. O que parece justificar o antigo medo que alguns tinham.
Mas saindo da esfera burocrática e indo ao que interessa, abro o meu biscoito. A primeira surpresa é que o granulado da foto na verdade faz parte da forma em que o biscoito é preparado. O que causa uma decepção insignificante, mas mostra inteligência do fabricante. O cheiro do produto já indica a diferença que ele tem do original de chocolate. O que se confirma na primeira mordida. Mas fica difícil definir o gosto, ao menos até o terceiro biscoito.
Ao mesmo tempo em que se parece, se difere de chocolate. É um sabor de chocolate mais diluído, menos denso do chocolate original, como se tivessem acrescentado mais leite condensado que o chocolate no preparo do biscoito. O que realmente causa o efeito que só pode ser definido de brigadeiro no sabor. Ele realmente tem um certo gosto de brigadeiro. Mas o brigadeiro é mais gostoso que o biscoito. Mesmo sendo bom, ele se mostra menos viciante que o de chocolate. É tanto que poderia parar de comer na metade do pacote e guardá-lo para outro momento. Ele não causa aquela necessidade de terminar o pacote que sentimos no de chocolate.
Ao terminar o biscoito também não se sente o quero mais. Ele cumpre a função dele. Até bate um certo remorso por não se ter escolhido o de chocolate. No fim, a experiência pareceu rapidamente perder o sentido. Afinal, se brigadeiro é chocolate, e quem come brigadeiro geralmente é porque gosta de chocolate. E a moral é que o brigadeiro é um chocolate em uma consistência diferente, mole. No fim a conclusão que fica é que o produto é para os chocólatras, que, se por algum acaso se abusarem do sabor original do chocolate, podem optar pela variação mais amada dele. Mesmo que numa consistência diferente.
Assim como os refrigerantes para os americanos, o biscoito sempre foi um medidor social para o pernambucano. O que parece vir dos nossos ancestrais europeus. Ele reflete os hábitos e as mudanças da sociedade pernambucana, que tem um bom número de fábricas alimentícias.
O novo sabor na verdade só mostra a ascensão da marca Treloso. Em breve, certamente, surgirão outros sabores e o biscoito que hoje é menos de um real saltará para preços menos camaradas, para a infelicidade de muitos pernambucanos. Na verdade ele é apenas um reflexo do crescimento da marca, que parece também refletir o aumento de poder de consumo do pernambucano oriundo das classes mais populares. E também mostra como as classes elitizadas têm perdido a vergonha de consumirem produtos mais populares.
Ele também reflete como o pernambucano tem se mostrado menos dependente de produtos vindos do sudeste e tem reconhecido, que o que é produzido aqui, pode ser tão bom quanto, ou melhor, do que o que vem de fora. Afinal, hoje em dia ninguém mais tem vergonha de comer o Treloso, pois ele é realmente saboroso. E o já sem graça Bono tem se esforçado para competir com o jovem garoto jaboatonense, residente do bairro de prazeres.
2 comentários:
Chapéu: Lançamento
Legenda da foto: Lançamento da industria Pernanbucana, Treloso Brigadeiro ainda perde para o original de chocolate
Você ama todos né Adrielly
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