Por Paulo Floro
Em 1969, Frank Lucas, um dos maiores gangsters que o Harlem já conheceu, viajou até o Vietnã em plena guerra para comprar a mais pura heroína direto da fonte: nas fazendas de ópio escondidas na Ásia. O diretor Ridley Scott também chegou próximo dessa pureza neste seu novo filme, e parece, enfim ter construindo mais um clássico em sua filmografia, ao lado de Blade Runner (1982), o mais emblemático filme em sua carreira.
O Gangster traz o diretor de volta aos temas sóbrios, após Um Bom Ano (2006) e Cruzada (2005) – filmes que versam sobre temas leves tendo na aventura, comédia e temas afins o principal gênero. Mesmo não se aproximando de um O Poderoso Chefão, a trajetória do protagonista Frank Lucas, pelo olhar de Scott, tem a rigidez formal de um filme de máfia com a tensão constante de um thriller.
Interpretado por Denzel Washington, Lucas, subverte todas as histórias clássicas de gangsters. E a escolha de Scott por esta história verídica o ajudou a construir um personagem marcante e inédito nos filmes até agora feitos neste gênero. Natural da Carolina do Norte ele encontra uma espécie de atalho no Sonho Americano e se transforma num milionário e poderoso traficante de heroína, na Nova York em ebulição do final dos anos 1960.
Intitulada de Mágica Azul, a “mercadoria” de Lucas era trazida do Vietnã em aviões do exército americano. O nome era uma clara referência ao resultado da reação química produzida pelos testes de pureza do pó. Com uma logística inusitada e vendendo um produto de superior qualidade pela metade do preço, ele logo adquiriu um poder superior às famílias italianas que tradicionalmente controlavam o negócio.
A trama tem mais de cem personagens, mas possui dois centros dramáticos bem estruturados, que se encontram a medida que o filme avança. Washington, que era um dos favoritos ao Oscar e não foi indicado, impõe ao seu personagem sua afetação já vista em outros filmes, como Dia de Treinamento. Parece difícil para o ator não interpretar a si mesmo (ou só interpretar papéis que preencham o mesmo perfil), mas sua atuação como líder de uma família criminosa tem lá suas nuançes. A serenidade com que mata uma pessoa em uma rua em movimento ou esmaga a cabeça de um desafeto no piano é a mesma de quem leva à mãe todos os domingos à igreja. A construção do anti-estereótipo do gangster também é mais mérito de Washington do que de Ridley Scott.
Russel Crowe, no papel de Richie Roberts, o policial honesto que tenta desmontar o esquema milionário de Lucas também está num momento chave da carreira. Sua presença polariza o filme já que se transveste de um personagem recheado de ética e bom mocismo em contrapartida ao mundo criminoso e com leis próprias de Frank Lucas. O filme também desconstrói o arquétipo do policial de moral impassível e sem desvios. Roberts encontra US$ 1 milhão no porta-malas de um carro, fruto de negócios ilegais entre a polícia e traficantes, mas devolve a quantia à corporação. Ele também recusa propinas e luta nada contra a maré de corrupção da polícia de Nova York, mas trai a mulher e neglicencia o filho pequeno. Enquanto isso, Frank Lucas cuida de sua família e atua como bom filho.
Com essas duas narrativas em paralelo, Ridley Scott não sucumbe em humanizar nenhuma das partes. O realismo do filme – apesar de ser um pouco romanceado – se reflete na violência das cenas. O Gangster não rende muitas margens à interpretações ou debate sobre seus temas. E sem pretensão a ser épico ou grandioso, sua força está mesmo na sua narrativa ágil e história bem contada de um negro que encontrou a glória e a crueldade do American Dream.
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