Enquanto as coisas se desintegravam, ninguém prestava muita atenção

Anos 80

Em “O Psicopata Americano”, Bret Easton Ellis transforma o american way of life em um violento pesadelo

Por Leandro Gantois


Christian Bale na adaptação cinematográfica de Bret Easton Ellis

A década de 80 virou um grande símbolo da falta de esperança e de um completo sentimento de vazio provocado pela recessão econômica, Guerra Fria, cortina de ferro e pela AIDS. A “triste segunda-feira”, como cantava a banda New Order, marcada pela ressaca moral dos anos 60 e 70 culminou com um total distanciamento da sociedade com a realidade. As pessoas começaram a se entregar rapidamente a um prazer escapista, achando soluções no mundo da moda, e no entretenimento de Hollywood e das canções pop. É justamente nesse panorama que está inclusa toda a obra do escritor americano Bret Easton Ellis e mais especificamente em seu livro capital, “O Psicopata Americano”, lançado em 1991, uma irônica denuncia de uma geração perdida em futilidades.

A trama é narrada em primeira pessoa pelo yuppie Patrick Bateman, um entediado milionário de 26 anos, morador de Manhattan, em Nova York. Bateman tem um grande fascínio por limpeza e por roupas de grifes, além de assassinar mendigos e prostitutas. Entretanto, o estranhamento à violência da história não está presente nos crimes cometidos pelo protagonista, longe disso, mas ao seu comportamento social. O endinheirado Bateman mostra um completo desprezo pela sociedade, culminando em comentários que dificilmente passam sem provocar nojo no leitor. O narrador homicida descreve o mundo através de uma ótica materialista e vazia.

Nas quase 500 páginas do livro, Patrick Bateman jamais descreve as pessoas com características psicológicas, mas apenas com aquilo com que estão vestindo: “Van Patten está usando jaquetão esporte de lã e seda com braguilhas de botão e pregueado invertido da Mario Valentino, camisa de algodão da Gitman Brothers, gravata de pois de seda da Bill Blass e sapatos de couro da Brooks Brothers”, diz o narrador em uma das passagens. Bateman ainda discute com um amigo durante um capitulo inteiro sobre quem tem o melhor aparelho de som e em outro faz uma análise completa de todos os discos lançados pela Whitney Houston. Em um diferente momento, o psicopata americano oferece uma nota de cem dólares a um mendigo e em seguida toca fogo na cédula para acender um charuto cubano gritando: “arranje um trabalho, vagabundo”.

Com a violência das ações de seu personagem principal, o autor Bret Easton Ellis consegue realmente chocar o leitor sobre a idéia da imagem acima do conteúdo. Easton Ellis, considerado por muito como membro da Geração X da literatura americana, recorre sempre aos mesmos temas para descrever e criticar a fluída sociedade pós-moderna, como faria mais tarde ao ridicularizar o mundo da moda em “Glamorama” (1998) e na tênue relação entre ficção e realidade em “Lunar Park” (2005). E mesmo utilizando uma linguagem rápida, quase de videoclipe, Easton Ellis trás reflexões profundas e pesadas ao leitor, que precisa parar e digerir o capítulo anterior para poder passar ao próximo.

Seria quase impossível não fazer uma comparação de “O Psicopata Americano” com “A Fogueira das Vaidades” de Tom Wolfe. Lançado cinco anos antes, em 1987, o livro também mostra o artificial mundo yuppie da elite endinheirada de Manhattan. Wolfe e Easton Ellis também se assemelham pelo uso constante da ironia e do sarcasmo. Outra semelhança entre ambos é a opinião do jornalista Paulo Francis sobre as duas polêmicas obras. Francis diz que o sucesso dos livros não está apenas na crítica social, mas principalmente na curiosidade vouyer da classe média para saber como vivem os donos do mundo de Nova York. Francis parece conseguir ser mais irônico que os dois autores, já que diz que o sucesso deles está justamente naquilo que criticam.

“O Psicopata Americano” continua sendo uma obra polêmica e uma genial análise sobre a sociedade das aparências das elites. Bret Easton Ellis conseguiu escrever uma violenta e assustadora prosa que chega a ser um soco no estômago do leitor. O livro, infelizmente, continua sendo atual, afinal pouca coisa mudou em duas décadas e o consumismo exagerado ainda é o sonho de muitos. Easton Ellis assim conseguiu montar através de Patrick Bateman um panorama nada confortável da pós-modernidade e qualquer leitor dificilmente não sentirá certa ânsia de vômito com os comentários do protagonista. Ou seja, é triste anunciar que em 2009, aquele mundo dominado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher permanece inalterável.


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